segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

O CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

 Entre 2020 e 2023, o crescimento médio anual real do PIB mundial, situou-se em apenas 2,4% em nítida desaceleração face à média anual de 3,7%, registada na década precedente. O volume do comércio mundial sofreu uma desaceleração ainda mais intensa, baixando de 4,6% para 2,6%, no mesmo período, evidenciando um período em que as economias estavam mais focadas nos respetivos mercados nacionais. Dados os desenvolvimentos internacionais, perspetivava-se um período prolongado de tensões, disputas e conflitos, realinhamentos e ajustamentos, com reflexos significativos nos fluxos e destinos do investimento e do comércio internacionais, com emergência de blocos económicos antagonistas e de tendências isolacionistas. As economias mais desenvolvidas, com destaque para os Estados Unidos e para a Zona Euro ,têm sido particularmente afetadas pela crise tendo o PIB  da Zona Euro estagnado entre meados de 2022 e meados de 2023. Em contrapartida, outras economias em destaque para a Cina e Índia, têm prosseguido evoluções muito mais favoráveis, ainda que com alguns sinais de desaceleração da economia chinesa. Para além dos abalos na confiança e nas trocas mundiais, a atual conjuntura tem sido caracterizada por subidas muito significativas dos preços e das taxas de juro. Os preços de algumas matérias-primas, com destaque para os produtos energéticos, fertilizantes e alimentares, subiram muito intensamente, pressionando os preços na produção e junto do consumidor. Apesar dos preços das matérias-primas terem baixado nos meses mais recentes, os níveis gerais dos preços permanecem muito elevados. Como consequência, os preços no consumidor dispararam, mantendo ainda variações elevadas à entrada do segundo semestre de 2023. Na União Europeia, a variação homóloga dos preços no consumidor, subiu até 11,5% em Outubro de 2022 e manteve-se ainda 6,1% em Julho de 2023. No caso da Zona Euro, esta medida do índice de preços no consumidor estabilizou em torno dos 5,3% nos meses de Julho e Agosto últimos. As preocupações com o controlo dos preços têm constituído o  fundamento para as subidas significativas das taxas de juro. por parte de alguns bancos centrais, caso do BCE, introduzindo um travão adicional no desenvolvimento das trocas, do investimento e da produção. Dadas as incertezas internacionais existentes em matéria de inflação é provável que as taxas de juro permaneçam elevadas. O crescimento mundial deverá adicionalmente ser penalizado pelas consequências das catástrofes de origem climática e pelas contínuas vagas migratórias oriundas dos países de África, Ásia e da América do Centro e do Sul, atingidos pela pobreza, conflitos e insegurança. O intenso crescimento demográfico previsto para estas zonas, associado aos seus elevados níveis de pobreza, constituem uma garantia segura de que assim continuará a ser. No mundo de hoje, as regiões de maiores níveis de pobreza, estão associadas àquelas para que se prevê maior crescimento populacional até 2050. A China apoiada pela Rússia e por algumas das maiores economias emergentes, continua a desenvolver diligências para criar uma ordem política e económica internacional, alternativa à que tem sido liderada pelos EUA , uma nova ordem que subestima os direitos humanos e democracia. O núcleo recentemente alargado dos BRICS ,para 110nze países, representava no final de 2022, cerca de 36,4% da economia mundial, quando avaliada em paridade de poder de compra, que compara com uma parte de 30,4% do grupo de países que integram o G7,as grandes economias mais desenvolvidas segundo cálculos do FMI. Trata-se de uma mudança radical relativamente à situação que se registava em 2000, quando o G7 detinha 43,62 do PIB mundial e do PIB do conjunto das 11 economias dos BRICS alargados se ficava por 23,6%. Existe entre os BRICS e muitas outras economias emergentes a ideia fundamentada de que a ordem que tem prevalecido, já não reflete a real relação de forças a nível internacional e a China, com autoridade dos seus 18,5% do PIB mundial, procura emergir como líder natural deste movimento. Para afirmar a sua liderança, a China criou um banco de desenvolvimento para o apoio ao investimento internacional e no seio dos BRICS debate-se a criação de um sistema de pagamentos internacionais, baseado em divisas alternativas ao dólar. A eventual criação destes instrumentos, ajudará a China a estruturar e ampliar a sua presença e influência pelo mundo, na senda da rota da seda a dos apoios ao investimento que tem concedido, sobretudo em África. No entanto, muitos países emergentes, incluindo os BRICS, têm interesses divergentes, não só devido ás relações e dependências de cada um com o chamado "Ocidente" mas inclusivamente conflituais entre si, como entre a China e a Índia que é a segunda economia mais forte deste grupo, com 7,3% do PIB mundial em 2022 em paridade de poder de compra e que constitui atualmente a economia mais populosa e mais dinâmica do mundo. A recente divulgação pela China de um mapa regional com as suas reivindicações territoriais e marítimas, a somar às experiências de conflitos correntes com os seus vizinhos, deverá ter introduzido mais alguns grãos na engrenagem de ambições hegemónicas chinesas e na sua capacidade de atração de outros membros para a sua esfera de influência. Os Estados Unidos vêm desenvolvendo uma contra ofensiva dependendo e investindo nos seus mercados, protegendo as suas vantagens tecnológicas e seguindo uma atividade intensa, diplomática e militar, junto dos seus aliados históricos, mas também junto de países emergentes negociando acordos e pacotes de investimento, procurando conter os avanços chineses e alargar a sua capacidade de influência A degradação da conjuntura externa fez abrandar o ritmo de crescimento económico em Portugal, a partir do início de 2022. A forte procura turística dirigida a Portugal e os apoios públicos à economia atenuaram os impactos negativos durante este período. Mas desde o final do primeiro trimestre de 2023, que se assiste à estagnação do conjunto da economia portuguesa Embora o nível médio do PIB português se tenha situado em 2022, cerca de 5,7% acima do ano situado em 2022, cerca de 6,7% acima do ano anterior, esta melhoria tem de ser relativizada, tendo em conta o nível muito baixo da atividade económica que se tinha registado nos períodos precedente, Na verdade, o ritmo de crescimento económico foi abrandado ao longo de 2022, estagnando mais recentemente entre o primeiro e o segundo trimestre de 2023. A informação disponível revela a continuação da perda do dinamismo económico, pelo menos até final de agosto de 2023. A procura externa de bens e serviços, com destaque para a procura turística, contribuiu para a recuperação da economia portuguesa até ao início de 2022. Por sua vez, a procura interna apresentou uma tendência de estagnação a partir do início de 2022, continuando um  retrocesso progressivo de investimento em FBCF e uma ligeira melhoria da despesa do Consumo Final. A aceleração da inflação interna deu os seus primeiros sinais na alta dos preços nas produções industriais sobretudo  nos produtos energéticos e intermédios. Á subida dos preços industriais, juntaram-se os efeitos nos preços alimentares, das subidas dos preços agrícolas, e, dos fertilizantes importados. Como consequência a variação homóloga do índice de preços no consumidor, disparou de um valor próximo de zero, no final de 2020 para 10,11% em Outubro de 2022. Os preços no consumidor dos bens energéticos, e dos bens alimentares não transformados, foram os que mais contribuíram para esta aceleração da inflação, mas o índice global dos restantes preços foi igualmente contaminado, embora com menos intensidade. A inflação tem vindo a desacelerar internamente, tendo a percentagem de variação homóloga baixado para 3,7% no final de agosto de 2023. Este surto inflacionista nos preços dos bens e serviços junto do consumidor, ocorre num ambiente de forte subida no mercado nacional dos preços de venda das habitações resultante de uma oferta incapaz de corresponder às enormes carências da procura de habitações, quer no mercado de arrendamento onde a oferta é quase inexistente. A aceleração da inflação conduziu a uma subida significativa das taxas de juro, penalizando as famílias endividadas e retraindo o acesso ao crédito. Apesar da descida significativa do nível de endividamento das famílias, ao longo dos últimos anos, a coincidência de elevados preços de mercado, com a subida das taxas de juro, na ausência de qualquer intervenção significativa externa ao mercado, agravará a crise deste mercado. O crescente abrandamento da inflação, acompanhado por alguma recuperação do poder de compra salarial e pelos apoios públicos à economia, num ambiente de elevado nível de emprego e de baixo nível de desemprego, permitiu alguma recuperação da confiança das famílias. O consumo corrente nas famílias tem revelado alguma reanimação, mas o mesmo não tem sucedido com as vendas de bens duradouros, onde, tal como nas habitações usadas, se assiste a uma quebra. A mesma retração tem acontecido na procura interna dos serviços turísticos. O enfraquecimento da procura externa e a subida dos preços de importação de matérias-primas, provocaram uma degradação da balança externa de bens, desde o início de 2021, progressivamente compensada por uma tendência inversa da balança externa dos serviços, suportada pela forte procura de serviços turísticos, por parte de não residentes. A procura externa de bens e serviços, poderá manter-se equilibrada sendo expectável um impacto similar nas importações nacionais, dado o enfraquecimento da procura global. O nível mais elevado da atividade económica é a subida dos preços que tiveram um impacto muito positivo na receita pública de 2023. A receita global da Administração Pública e da Segurança Social, conheceu uma subida homóloga de 14,4%, durante os primeiros sete meses de 2023, tendo as receitas em impostos diretos crescido 14,3% e as contribuições para a Segurança Social 11,6%. Como a despesa deste conjunto de setores públicos, subiu apenas 5,7%, no período de 2023, deixando antever contas equilibradas no conjunto do ano de 2023, o reequilíbrio do saldo das contas públicas, tem permitido a redução do peso da Dívida Pública no PIB nominal. Deste modo, o peso da Dívida Pública, líquida de depósitos, no PIB nominal, baixou para 101,4%&, no final do segundo trimestre de 2023. A recuperação da economia, que se seguiu à crise pandémica, esteve muito associada a setores de mão-de-obra intensiva, produzindo efeitos muito positivos no mercado de trabalho. A evolução positiva do mercado de emprego, impulsionou a recuperação da despesa das famílias no período pós pandemia. Mas a partir do início de 2022, o poder de compra dos rendimentos foi afetado pela aceleração da inflação. Esta situação foi parcialmente corrigida durante o primeiro semestre de 2023, sobretudo nos setores privados, permitindo algum alívio da situação financeira das famílias, estimulando a sua despesa. As recentes atualizações das pensões têm produzido igualmente um impacto positivo na despesa das famílias. O conjunto de políticas seguidas em Portugal para ultrapassar as debilidades estruturais reveladas pela crise financeira de 2008 retraiu o investimento dos agentes económicos, dificultando a inovação e a tenção de mão de obra qualificada A inversão desta tendência constitui um desafio estrutural para a economia portuguesa. O desenvolvimento económico baseado em setores de baixo valor acrescentado e salários baixos, as crises atuais no mercado habitacional, na prestação de serviços públicos e na retenção de pessoal qualificado e a contínua saída para o exterior de jovens qualificados, evidenciou a natureza e a dimensão da fatura desse ajustamento. Devido à severidade dos ajustamentos impostos à economia, a taxa de investimento das empresas não financeiras em termos de peso do investimento em FBCF caiu em 27,8% em 2008 para 14,6& em 2o12. A recuperação registada desde então, conduziu a uma taxa de investimento destas empresas para 21,9% em 2019. A crise pandémica e a guerra travaram essa recuperação. No entanto, o ajustamento económico dos últimos anos, permitiu, como desejado, a redução significativa do rácio da dívida das empresas não financeiras, de tal modo, que nos fins do segundo trimestre de 2923, era já inferior ao do início da crise financeira de 2008. Esta redução dos níveis de endividamento cria condições mais favoráveis para a retoma do investimento das empresas. Portugal necessita de atrair investimento estrangeiro, com capacidade financeira e know-how para contribuir para a superação das debilidades estruturais do seu tecido económico.




































sábado, 13 de janeiro de 2024

A DURADOURA CRISE DA DÍVIDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

 A crise da dívida nos países de baixos rendimentos continua a aumentar, ao mesmo tempo que a comunidade política internacional parece estar a ignorar o problema. Será que um desastre da dívida dos países em desenvolvimento se tornou inevitável? A julgar pelos países que receberam uma avaliação de B3  ou menos da agência de notação financeira Moody`s, o número de economias endividadas já tinha aumentado bruscamente entre a crise financeira global de 2008- 2009 e o período anterior à pandemia de covid. Depois quando a pandemia surgiu, o número de países em dificuldades parou de aumentar, à medida que os líderes globais resolveram abordar o que era agora uma emergência humanitária, além de uma crise financeira. Os países do G20 apresentam uma Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) que aliviou temporariamente os Governos dos países em dificuldades da necessidade de pagamento da dívida. Mas assim que a Suspensão do Serviço da Divida(DSSI) terminou no final de 2021, o número de países em dificuldades começou a aumentar novamente, em parte porque taxas de juro globais mais elevadas tornavam mais difícil o serviço da dívida pública. O número de países em crise da dívida medido pela Moody,s ultrapassa anualmente os 40. No final de 2020 a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) foi completado pelo Enquadramento Comum do Tratamento da Dívida. O objetivo era facilitar acordos de reestruturação entre países com dívidas insustentáveis. No entanto, estes esforços de reestruturação têm-se arrastado literalmente durante anos, sem progressos evidentes. No mês passado, um acordo entre a Zâmbia e os seus credores foi aprovado como um avanço. Mas o alívio oferecido à Zâmbia era, claramente inadequado. E, assim que foi anunciado, o acordo proposto entrou em colapso. A China queixou-se de que o seu banco estatal credor estava a receber um tratamento menos favorável do que os obrigacionistas. O Enquadramento Comum, como dois dos seus críticos observaram, precisava de "um grande reajustamento no novo ano". Coincidentemente, 2024 marca o centenário do Plano Dawes, sob o qual as dívidas da Alemanha aos seus adversários da I Guerra Mundial foram reestruturadas. A guerra deixou para trás um complexo financeiro: cerca de 30 mil milhões de dólares em reparações devidas pela Alemanha aos aliados europeus vitoriosos e 10mil milhões de dívidas de guerra devidas pelos aliados aos EUA. Era claro que estas obrigações estavam ligadas e que os aliados concordaram em reduzir as reparações da Alemanha, se os EUA anulassem as suas dívidas. No entanto, o congresso dos EUA, depois de se virar para uma política de isolacionismo recusou-se a perdoar as obrigações dos aliados. Para os EUA serem credores líquidos do mundo era uma novidade, tendo sido devedores líquidos antes da guerra. Em 1923, os EUA reconheceram tardiamente a gravidade da crise da dívida  do pós I Guerra Mundial, que a hiperinflação tornou impossível ignorar. Isso permitiu que Charles Dawes, banqueiro de Chicago e futuro vice-presidente americano presidisse a um comité internacional para rever o problema da dívida pós-guerra. O envolvimento de Dawes foi significativo, na medida em que sinalizou o reenvolvimento dos EUA nos assuntos globais. No entanto, embora o Plano Dawes tenha reduzido as obrigações imediatas da Alemanha, proporcionou pouco alívio da dívida a longo prazo, apenas adiando os pagamentos do país para o futuro. As transferências contínuas do Governo alemão para os aliados foram então financiadas por um empréstimo em dólares lançado no mercado americano pelo banco de investimentos J.P. Morgan &CO. Esses acordos improvisados travaram a hiperinflação na Alemanha e permitiram que o crescimento económico europeu recomeçasse, mas tudo se desmoronou depois de 1929.  À medida que a economia global se afundava e entrava em Grande Depressão, foi acordada uma moratória de um ano para todos os pagamentos de dívida em reparação em 1931. Só em 1932, quando era tarde demais para evitar a desastrosa viragem política da Alemanha, os Governos europeus concordaram finalmente em cancelar as suas reivindicações de reparação. Depois rejeitaram as suas dívidas para com os EUA, ganhando a inimizade duradoura do congresso. Várias lições para a atual crise da dívida dos países em desenvolvimento podem ser retiradas desta história trágica .Primeiro, os credores, mesmo inexperientes, têm de reconhecer o seu papel na resolução da crise da dívida. Hoje isso significa que todos os olhos estão postos na China, que é o credor mais importante para os países pobres em situação de endividamento. Em segundo lugar, fornecer créditos a países em dificuldades, apenas adia o problema. A China está atualmente a fornecer swaps e créditos em remmimbis a Governos que anteriormente contraíram empréstimos de infraestruturas como parte da Iniciativa Cinturão da Rota da China, permitindo-lhes manter os seus pagamentos aos bancos chineses em dia. Esta medida suavizadora não resolve nada. Apenas torna os países problemáticos mais endividados. Por fim, dar aos países em dificuldades financeiras, apenas um alívio suficiente para se manterem à tona, deixa-os vulneráveis em caso de um choque adicional. Esta foi a abordagem adotada no âmbito do Plano Dawes e fracassou durante a Grande Depressão. É a abordagem adotada no Enquadramento Comum que obriga os credores a fornecer apenas o mínimo necessário, apenas o alívio suficiente para permitir que o FMI declare a dívida do país sustentável.

domingo, 22 de outubro de 2023

A SUBIDA DOS JUROS LEVA A ZONA EURO A UMA RECESSÃO?

 Da estagnação à recessão vai apenas um passo e é esse passo que nesta altura a economia europeia arrisca. As projeções foram revistas em baixa e apontam para uma estagnação da zona euro, com 2024 pouco melhor. Muito por causa do aumento dos juros da referência do Banco Central Europeu(BCE) que recentemente subiram mais um de grau, arrastando consigo as taxas de juro de mercado Um impacto que, segundo vários economistas ameaça provocar uma recessão na zona euro, que parece certa na Alemanha. Para forçar a descida da inflação, que atingiu valores inéditos desde a criação do euro, os juros de referência do BCE subiram 4,5pontos percentuais em pouco mais de um ano. São já dez aumentos consecutivos, colocando a taxa diretora nos 4,5%: o segundo valor mais alto de sempre. Uma trajetória que levou as taxas de juro Euribor- que servem de indexante aos créditos com taxa de juro varável- a atingir os níveis mais elevados desde novembro de 2008, encarecendo o crédito, e penalizando o consumo e o investimento das famílias e das empresas. Esse é o objetivo de Frankfurt. No comunicado recente onde anunciou a nova subida das taxas de juros de referência, lia-se que "as condições de financiamento tornaram-se mais restritivas e estão a refrear cada vez mais a procura, o que constitui um importante fator para fazer a inflação regressar ao objetivo. O BCE reviu em baixa as projeções para o crescimento da zona euro e não foi a única instituição a fazê-lo. Em 2023, o crescimento deverá ficar entre 0,6% (OCDE) e 0,8% (CE), com o BCE a apontar para 0,7%. Para 2024, as previsões oscilam entre 1% (BCE) e 1,3% (CE), com a OCDE a antecipar 1,1%. Poderá uma recessão estar a caminho? Há economistas que alertam que a zona euro está a caminho de uma recessão, que poderá ser mais ou menos profunda, dependendo do que acontecer na Alemanha, que provavelmente já está em recessão. Para outros, como Paes Mamede, considera que a Europa já está a caminhar para uma recessão. E salienta: vejo com grande preocupação a persistência da inflação a nível europeu, a subida dos juros, o não acompanhamento pelos salários, levando à perda do poder de compra das pessoas. É a receita para problemas e instabilidade política. Reconhecendo que a economia da zona euro está muito frágil, no resultado da pandemia, João Borges, professor da Universidade Católica ,considera prematuro falar em recessão sem subidas notórias do desemprego. Algo que ainda não se nota nos dados. Em Julho, a taxa de desemprego no espaço da moeda única, foi de 6,4% inalterada, face a Junho e abaixo dos 6,7% de Julho do ano passado, Por isso acredita que "será ainda possível, mas não seguro, evitar uma recessão, E, a chave deve ser o comportamento da economia americana. Se houver recessão por lá dificilmente a Europa escapa. Também Pedro Brinca, argumenta que não podemos falar de recessão da zona euro com desemprego tão baixo, destacando a resiliência do mercado de trabalho que, tudo aponta que vai continuar. Ainda assim, o crescimento do emprego está a abrandar, reconheceu Lagarde, presidente do BCE, destacando que o setor dos serviços,  que tem impulsionado o crescimento do emprego desde 2022, está agora a criar empregos. Quanto a Portugal, uma recessão parece fora do horizonte, com a ajuda da aceleração e execução de fundos europeus e do bom desempenho do turismo. As projeções de crescimento das principais organizações nacionais e internacionais para este ano oscilam entre 2,4% (CE) e 2,7% (Banco de Portugal). Entretanto a economia estagnou em cadeia. Seria necessária a forte e rápida subida dos juros pelo BCE? Ricardo Reis, defende que sim. Basta olhar para os números da inflação que depois de ter chegado aos dígitos, tem vindo a descer mas ainda está muito acima do alvo. Mesmo as melhores previsões do BCE, apontam para que voltemos aos 2% só em 2025. Ora o mandato do BCE é claro Tem de alcançar os 2% e rapidamente. Para Paes Mamede a política da subida dos juros do BCE, não é a mais adequada, porque as raízes da inflação estão em grande medida em fatores exógenos à zona euro, relacionados com os preços da energia e das matérias-primas. E destaca: o BCE  neste momento sente que está a correr fora do prejuízo. Está sob uma pressão muito grande para ser visto como credível, no cumprimento da sua missão estatuária que é manter a inflação próxima dos 2% E vai mais longe: "o que o BCE está a dizer ao mundo é que faremos o que custar para trazer a inflação para os 2%, mesmo que custe uma recessão". A inflação está a descer- ficou nos 4,3%, em setembro-, mas ainda é mais do dobro dos 2% de referência para o BCE. Ao mesmo tempo, a economia do espaço da moeda única, está muito débil e pode já ter contraído no terceiro trimestre deste ano, queda que ameaça repetir-se nos próximos trimestres. O contexto é de estagflação, com o risco de recessão a crescer. A guerra em Gaza, além do drama humanitário, é mais uma variável a pesar nesta equação. .Para já os efeitos económicos sobre a Europa são limitados. Mas uma escalada do conflito pode ser catastrófica. É com este pano de fundo que o BCE voltou a reunir com as taxas de juro em cima da mesa. As projeções das principais organizações internacionais para a economia da zona euro este ano, são de estagnação com 2024 pouco melhor. Mas os sinais de recessão na zona euro estão a crescer. Em outubro, o índice para o setor dos serviços caiu para 47,8 pontos e tem estado claramente em território de recessão O índice para a indústria transformadora recuou 43 pontos, permanecendo em território recessivo há meses. Está a abrandar a economia em todos os países da zona euro, antecipando que o espaço da moeda única tenha caído 0,1% no terceiro trimestre face aos meses anteriores. A política de juros sustentadamente altos do BCE ,leva a um distorcer da estrutura financeira, ao empobrecer de parte da população, à acumulação de superlucros no sistema financeiro e à redução do investimento. O BCE  quer reduzir a inflação, mesmo à custa de uma recessão. Só que a causa desta inflação não é a procura excessiva, mas uma espiral de preços de oligopólios, que com a guerra têm o alibi perfeito para manter superlucros. O BCE tem estudos, onde são atribuídos lucros das empresas cerca de 2/3 da subida de inflação na zona euro. No entanto a situação continua, Estamos a caminho de uma situação de estagflação e mesmo de recessão na Europa, Tendo em conta o enorme choque que foi o aumento dos preços da energia, seria de esperar uma recessão Para além do drama humanitário sente -se  uma maior instabilidade financeira nos preços das matérias-primas. O barril de petróleo brent chegou a subir mais de 9% após os ataques de Hamas a Israel. A situação em Gaza é imprevisível e o impacto depende da escalada da situação que pode ser catastrófica. Se os preços de energia disparam, a recessão torna-se mais provável. Além disso, esse disparo significaria um choque inflacionista. E se a inflação não estiver a descer de forma suficientemente rápida para regressar ao alvo de 2%, o BCE terá de subir as taxas de juro.


quarta-feira, 7 de junho de 2023

O TRATADO DE MAASTRICHT

 De Comunidade Económica Europeia(CEE) para a União Europeia(UE), de uma integração sobretudo económica para a criação de uma União política, o Tratado de Maastricht ,mudou o rosto da Europa, e, estabeleceu as bases para uma união económica e monetária, definindo o caminho para o euro. Assinado em fevereiro de 1992, só entrou em vigor em novembro de 1993, após um longo e polémico processo de ratificação. A grande transformação ocorrida com o Tratado de Maastricht foi a passagem de uma comunidade sobretudo económica para a criação de uma união política. Daí a alteração da designação de CEE para a UE. O Tratado avança com a política externa de segurança comum, a cooperação na área da justiça e assuntos internos, e, a criação da cidadania europeia. E, tem como pedra angular, o lançamento das bases para a união económica e monetária, definindo o caminho para a moeda única europeia e as regras que os Estados terão de cumprir. Os famosos limites de 3% do PIB para o défice orçamental e de 60% do PIB para o rácio da dívida pública estão inscritos no Tratado de Maastricht. É também aqui que nasce o Fundo de Coesão, sob proposta portuguesa , Para Vítor Martins, secretário de Estado para os Assuntos Europeus entre 1985 e 1986, só foi possível avançar neste caminho graças a  dois fatores: "o sucesso do Ato Único Europeu de 1986" que criou o mercado único, eliminando fronteiras internas na Europa e, "a reunificação alemã". Na época a CEE, ainda era uma organização com Estados-membros relativamente coesa, mas com alterações geopolíticas, nomeadamente com a queda do muro de Berlim  e a reunificação alemã. E, como referiu Jacques Delors, então presidente da Comissão Europeia, a História está a acelerar. Nós temos de acelerar também. Ainda assim, as negociações foram exatamente complexas, Havia vários caminhos possíveis, chegando a estar sobre a mesa a hipótese de uma moeda comum, mas não única, e sim complementar as moedas nacionais. Também no que respeita ao Banco Central Europeu(BCE), havia visões diferentes: alguns Estados-membros preferiam um modelo semelhante ao da Reserva Federal norte-americana, com duplo mandato: a estabilidade de preços e o emprego. Mas acabou por vencer o modelo germânico, centrado na estabilidade dos preços. Sem isso, dificilmente se teria conseguido um acordo na Alemanha. A importância atribuída ao BCE foi tal que os seus estatutos estão incluídos no Tratado. Um acordo acabou por ser alcançado em dezembro de 1991, na cimeira de Maastricht durante a presidência neerlandesa do Conselho- Mas foi em fevereiro de 1992 na presidência portuguesa que o Tratado foi assinado. O Reino Unido então Estado - membro, abandona a UE em 2020, ficou fora do euro, graças a uma clausula de isenção (opting out) Seguiu-se um longo e polémico processo de ratificações nacionais, marcado pela oposição de alguns partidos com divisão da opinião pública e do eleitorado. Foi o tratado que mais controvérsia gerou. Em Portugal destacam-se dois partidos na oposição a Maastricht:. o CDS `direita e o PCP `esquerda. Ambos os partidos estavam e sintonia quanto à não cedência de mais soberania por parte do país e na realização de um referendo nacional. Portugal não o realiza e o tratado é ratificado na Assembleia da República  em dezembro de 1992. Porém Dinamarca e França avançam mesmo para referendos nacionais e os resultados -chumbo na Dinamarca em Junho de 1992 e passagem à tangente em França em Setembro deste ao, atrasaram todo o processo.. O descontentamento de parte do eleitorado europeu com o conteúdo e o aproveitamento político e económico do processo de construção europeu que lhe estava implícito, levou a uma erosão do "consumo permissivo" em relação aos assuntos europeus dos partidos políticos e do eleitorado. O Tratado de Maastricht acabou por entrar em vigor em novembro de 1993, incluindo declarações adicionais. Nomeadamente, ficou previsto que a participação da Dinamarca no euro, seria condicionada a uma aprovação em referendo nacional, o que até hoje não aconteceu. A discussão sobre o impacto de Maastricht para a Europa e para Portugal, em particular dividiu os economistas da época, E as divergências persistem, Para Abel Mateus, a moeda única criou um espaço monetário e comercial que rivaliza com a zona dólar, tendo criado estabilidade nas relações comerciais e uma economia de estabilidade monetária. É impensável uma UE sem uma união monetária, e é de salientar que os benefícios ultrapassam largamente os custos. É errado pensar que é o facto de pertencer ao euro que nos levou à estagnação nos últimos 20anos, São as más políticas de afetação de recursos reais que estão por trás da estagnação, Sinal disso, vários países de Leste que tiveram forte convergência também entraram para o euro. Se a economia portuguesa cresceu de forma desapontante no século XXI, período que coincide com a adoção do euro, não decorre daí uma relação causa-efeito. Há outras explicações com maior aderência e vários contraexemplos de economias que conseguiram bem mais do que a nossa e também elas com euro como moeda. Maastricht teve um papel positivo porque contribuiu de forma decisiva para um ambiente de baixa inflação na UE, só agora posto em causa, Mas há que apontar dois aspetos negativos:. em primeiro lugar as regras orçamentais decorrentes do tratado "os famosos limites para o défice" e para dívida demasiado simplistas para lidar com a complexidade económica e financeira que se lhe seguiria. Em segundo, uma conceção monetária e redutora, atribuindo ao BCE e ao Sistema Europeu de Bancos Centrais o primordial e quase único objetivo macroeconómico da estabilidade de preços. 

terça-feira, 7 de março de 2023

AS CONSEQUÊNCIAS ECONOMICAS DA GUERRA NA UCRÂNIA

 Nos últimos quinze anos, a economia mundial foi sujeita a três choques com profundas repercussões no seu desempenho: 1- a crise do subprime e subsequente crise económica, financeira e global que arrastou a Área do Euro para uma crise da dívida soberana e fragmentação dos seus mercados financeiros; 2- a crise pandémica que, para além do custo imposto em termos de vidas humanas, obrigou à paragem súbita da atividade em muitos setores da economia; 3- a crise originada pela guerra na Ucrânia, a qual tem refletido num considerável agravamento da inflação e em perturbações nas cadeias internacionais de fornecimento, designadamente nas áreas da energia e dos cereais. A pandemia da Covid foi, até agora, a maior de todos estes choques, afetando todos os países.  A produção mundial caiu 3%. Esta contração foi mais acentuada nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento. A China, por sua vez, sofreu uma acentuada desaceleração no seu crescimento de 6% em 2019 para 2,2% em 2020. A recuperação desta crise iniciou-se em 2021 e de forma expressiva. O crescimento económico foi de 5,7%, a China cresceu 8,1% e a Área do Euro 5,2%. Porém, as paragens da atividade impostas pela pandemia, interromperam inúmeras cadeias de produção e fornecimento, estrangulando a capacidade de oferta em inúmeros setores de atividade. As dificuldades na oferta de bens e serviços, associadas à procura crescente resultante da recuperação em curso, explicam os aumentos significativos do preço do petróleo, do gás natural, dos cereais, dos metais e outras commodities, aumentos esses que geraram tensões inflacionistas que se fizeram sentir ao longo de 2021, traduzidas em taxas de inflação cada vez mais elevadas designadamente nas economias desenvolvidas. Assim, no início de 2022, a conjuntura económica, na generalidade das economias desenvolvidas caracterizava-se por um forte crescimento da produção e do emprego e por uma inflação alta .A invasão russa à Ucrânia mudou este cenário de uma forma dramática. A Europa e o Mundo passaram a enfrentar uma crise humanitária com milhares de mortos e milhões de refugiados, uma inflação crescente, uma desaceleração do seu crescimento económico, e, o sério risco de uma crise energética e alimentar. Em especial, a inflação elevada nos bens energéticos, e alimentares tem efeitos redistributivos particularmente gravosos para as famílias de mais baixos rendimentos, aumentando as desigualdades e a pobreza.  De facto entre 2020 e 2022, o preço do gás quadruplicou e desde 2021, o preço dos cereais aumentou cerca de 85%. O impacto global desta guerra deve-se à importância assumida pela Rússia e pela Ucrânia nas cadeias internacionais de fornecimento, principalmente de energia e matérias-primas alimentares. Estes dois países representam no seu conjunto, cerca de 30% das exportações globais de trigo, 15% das exportações de milho, 20%de fertilizantes minerais e de gás natural e 11% das exportações de petróleo. De acordo com a Agência Internacional de Energia, antes da invasão da Ucrânia, a Europa importava quase metade das exportações russas de petróleo e seus derivados, com especial destaque para a Alemanha, Holanda e Polónia. A Rússia representava 43% das importações de gás natural da União Europeia, quase 25% das suas importações de petróleo e produtos refinados, e, 30% das importações de carvão. Estes números evidenciavam bem a enorme dependência energética da União Europeia face à Rússia. O impacto desta nova crise, terá maiores consequências estruturais em áreas como as da segurança energética, nas redes globais de comércio e investimento internacional ,e, em geral na geopolítica mundial em consequência da redefinição dos blocos políticos e económicos e das suas alianças. Não representa o fim da globalização, mas vai obrigar ao redesenho das redes internacionais do comércio e do investimento, impondo alterações significativas nos seus fluxos. A guerra na Ucrânia veio revelar que o risco geopolítico associado aos parceiros comerciais mais significativo do que aquilo que se supunha e a criação de dependências é fonte de fragilidades e perturbações na atividade económica. A reavaliação deste risco, principalmente por parte das empresas que operam à escala global, irá impor certamente a relocalização de muitos investimentos externos e a escolha de outros parceiros comerciais. A evolução das economias nos próximos anos, depende do desenrolar do conflito em curso na Ucrânia. De um modo geral, as previsões disponíveis das diversas instituições internacionais pressupõem um cenário de impasse militar, com as frentes de guerra estabilizadas e baixos níveis de combate, continuando a Ucrânia a contar com o apoio dos países da Nato e outros aliados. A União Europeia avançará com políticas que reforcem a sua autonomia e segurança energéticas, bem como na frente da transição climática e digital. Em 2023, ocorrerá uma nova desaceleração do crescimento, e, a inflação persistirá embora a níveis mais baixos. O ambiente económico deteriorou-se, o financiamento encareceu, a confiança e as expetativas dos agentes económicos pioraram e a procura que recuperou significativamente após a crise pandémica, já dá sinais claros de abrandamento .A guerra continuará a ser a maior ameaça. A evolução da atividade económica e da inflação depende das políticas de resposta à presente crise. Os governos por um lado, têm avançado com políticas de apoio às famílias e às empresas mais afetadas pela forte subida  dos preços, o que tem atenuado o impacto desta conjuntura no consumo, e, evitado estrangulamentos na produção dos setores de maior consumo de energia. As autoridades monetárias, por um lado, subiram as taxas de juro de forma acentuada, tendo em vista o arrefecimento da procura, e, consequentemente baixar a inflação. Duas respostas políticas que, em boa verdade, jogam em sentido inverso no combate à inflação, uma vez que que o arrefecimento da procura pretendido pelas autoridades monetárias é contrariado pelos apoios concedidos pela via orçamental. Acresce que a persistência da inflação e a tensão existente no mercado laboral, estão a a apoiar as expetativas inflacionistas a níveis mais elevados, e, a causar ajustamentos salariais mais significativos, dificultando a eficácia da política monetária. Como podemos constatar, persistem incertezas importantes que podem afetar negativamente o cenário macroeconómico dos próximos anos e a evolução recente do conflito tem aumentado os receios de uma recessão económica. Portugal, como as demais economias, é afetado por esta crise, mas graças à sua localização, os seus impactos são menos fortes do que naquelas que se situam mais próximas do teatro da guerra. Regista -se um forte agravamento da inflação , embora abaixo da média da Área do Euro, e, contrariamente aos seus parceiros, o crescimento económico melhorou em 2022 face a 2021. A sua desaceleração ocorrerá em 2023 com uma taxa prevista de crescimento acima da média europeia e com uma taxa de inflação mais baixa. Quais as prioridades económicas e sociais para atenuar o impacto da crise em curso? 1- A primeira prioridade será a de evitar uma cise alimentar e energética, uma crise forte na Europa. O encarecimento dos bens alimentares e as limitações no seu aprovisionamento, designadamente de cereais, têm um impacto muito significativo nestes países. A nível mundial, em cerca de trinta países, mais de metade das suas necessidades de cereais são cobertas por importações provenientes da Rússia e da Ucrânia. 2- Reduzir a dependência energética da Europa face à Rússia, com novas fontes de investimento  promovendo a transição para um paradigma energético ambientalmente sustentável. Enquanto a Europa tiver que importar energia da Rússia, estará a dotá-la de meios financeiros para prosseguir com a guerra, pelo que reduzir a dependência energética existente é uma forma de influenciar o equilíbrio de forças no terreno. É importante que a União Europeia defina uma estratégia energética comum e a implemente de forma célere. 3- O restabelecimento da estabilidade de preços, ou seja de uma taxa de inflação baixa e estável, deve ser uma prioridade da política económica e monetária. A inflação elevada e inesperada tem um grande efeito empobrecedor pela redução que impõe no poder de compra dos alimentos dos cidadãos e agrava as desigualdades, na medida em que, encarecendo mais os bens alimentares e energéticos, afeta mais as famílias de menores rendimentos. A estabilização dos preços é igualmente importante para as empresas fortemente dependentes de energia, permitindo-lhes proteger o emprego e a atividade, evitando assim constrangimentos na oferta de bens e serviços relevantes para a atividade económica em geral. 4- O aumento das taxas de juro é fonte de stress financeiro para as empresas e para as famílias e os incumprimentos tenderão a aumentar. O sistema financeiro terá que estar preparado para enfrentar esta situação, e, as famílias e as empresas terão que, juntamente com os seus financiadores, encontrar soluções que lhes permitam fazer face ao contexto agravado de financiamento e limitar o recurso ao financiamento alheio. Eventuais apoios públicos devem ser limitados aos mais carenciados e de forma transitória, de modo a não constituírem um incentivo a situações de moral hazard suscetíveis de garantir comportamentos de sobre endividamento.5- Necessidade da União Europeia agilizar a mobilização e utilização dos fundos disponibilizados no âmbito do Next Generation Eu, como forma de apoiar a recuperação das economias europeias. Com o mesmo objetivo, a nível nacional, a execução dos programas de financiamento com o o recurso a tais fundos, deve ser eficiente de forma a impulsionar o investimento, e a dar resposta aos desafios estratégicos existentes, tendo em vista o bem-estar e a sustentabilidade. social e ambiental, a qualificação dos recursos humanos. das instituições, a inovação e modernização tecnológica, a independência energética e a segurança comum. No curto prazo, devem ser adotadas medidas transitórias de abrandamento dos efeitos da crise, em especial elevada inflação , através de apoios aos rendimentos das famílias mais vulneráveis, apoios às empresas mais afetadas pelo aumento dos seus custos energéticos, e, através de políticas de formação de preços mais eficientes que impeçam a exploração de rendas excessivas.

Conclusão:

Passados doze meses desde o início da guerra, as incertezas geradas por este conflito, em vez de se dissiparem gradualmente com o decorrer do tempo, acabaram por se adensar, e, estamos hoje confrontados com decisões do agressor que apontam para uma escalda de guerra com consequências difíceis de antever. Enquanto durar o conflito não há forma de evitar os custos humanitários e económicos, por muito que façam as autoridades responsáveis pelas políticas económicas e sociais.. Todos temos que suportar custos mais elevados que outros, devendo focar-se as medidas de mitigação nos mais vulneráveis. O esforço coletivo terá que prosseguir, e, perante a escalada que se antevê, há que evitar a eclosão de um conflito nuclear.


sábado, 21 de janeiro de 2023

A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Na realidade a probabilidade de nos mantermos abaixo de 2ºC da temperatura global é muito reduzida. Se tudo continuar na mesma, o mundo encaminha-se para um aquecimento de, pelo menos 3ºC até ao final do século Se mantivermos os níveis atuais de emissões globais, o orçamento de carbono, que nos resta para nos mantermos abaixo de 1,5ºC, esgotar-se-á dentro de seis anos.. De acordo com um inquérito recente das Nações Unidas, 64% da população mundial encara as alterações climáticas como uma emergência global. Então o que tem corrido mal até agora? Existe um problema fundamental no debate contemporâneo sobre as políticas climáticas: raramente aborda a desigualdade. As famílias mais pobres que emitem pouco CO2, anteveem corretamente maiores limitações à aquisição de energia. Já os decisores políticos temem represálias políticas, se impuserem medidas climáticas demasiado depressa. O problema deste círculo vicioso é que já nos fez perder demasiado tempo. A boa notícia é que podemos acabar com ele. Segundo dados de 2021, dez por cento da população que maior quantidade emite gases com efeito de estufa, é responsável por cerca de 30 toneladas anuais por pessoa, ao passo que metade mais pobre da população emite 1,5 toneladas anuais por pessoa. Ou seja: os 10% que mais emitem gases com efeito de estufa em todo o mundo são responsáveis por 50% de todas as emissões de gases com efeito de estufa, ao passo que metade mais pobre do mundo, apenas contribuiu com cerca de 12% da totalidade das emissões. Nas últimas três décadas, a parcela das emissões lançadas por 1% de emissões no pico da hierarquia(um grupo cinquenta vezes mais pequeno do que os 50% que compõem a metade menos emissora a nível global) passou de 9,5% para 12%. Quer isto dizer que embora, as desigualdades carbónicas ao nível global sejam colossais, o abismo entre o topo e o resto da população, tem vindo com o tempo, a aumentar.. Não se trata de uma mera divisão entre países ricos e pobres:.. existem emissores potentes nos países mais pobres e emissores muito fracos nos países ricos. Vejamos o exemplo dos EUA: os 50% de indivíduos mais pobres no seio da população norte -americana, emitem por ano cerca de dez toneladas de CO2 por pessoa, enquanto os 10%mais ricos emitem cerca de setenta e cinco toneladas por pessoa. Os ricos produzem um valor mais de sete vezes superior. O mesmo acontece na Europa, onde os 50% mais pobres emitem cerca de 5 toneladas por pessoa, ao passo que os 10% mais ricos emitem cerca de trinta toneladas um valor seis vezes superior.  As regiões mais pobres do mundo também exibem desigualdades significativas. De onde são oriundas essas desigualdades? Os ricos emitem mais carbono através de emissões diretas ( ou seja: o combustível com que abastecem os automóveis), mas também dos bens e serviços que consomem, bem como dos investimentos que fazem. Os grupos com rendimentos baixos emitem carbono, quando usam veículos ou aquecem as casas, contudo as suas emissões indiretas, ou seja, as relacionadas com as compras e os investimentos, são substancialmente mais baixas do que as dos ricos. Segundo o World Inequality Report (2023),   metade mais pobre da população em cada país do mundo, quase não possui meios financeiros, o que significa que tem muito pouco ou nenhuma responsabilidade nas emissões associadas às decisões de investimento. Devíamos reduzir as emissões? Sim devíamos, mas é evidente que alguns grupos terão de se esforçar mais do que outros. Os mais pobres têm menor capacidade de descarbonizar o seu consumo. A conclusão lógica é que os ricos têm de contribuir mais pra cortar nas emissões e tem que ser dada aos pobres a capacidade pra enfrentar a transição para 1,5ºC ou 2ºC. Mas, não é isto que está a acontecer, Alguns países já ameaçaram planos para reduzir significativamente as emissões até 2030. e, a maioria está a planear alcançar emissões nulas em termos líquidos perto de 2050. Centramo-nos no objetivo de reduzir as emissões até 2030: segundo um estudo recente, em termos per capita, a metade mais pobre da população dos EUA e da maioria dos países europeus, já alcançou este objetivo. Uma forma de reduzir as desigualdades carbónicas, passa por estabelecer direitos individuais de carbono, semelhantes a formatos usados por alguns países, para gerir recursos ambientais limitados. Por exemplo em França nos períodos de forte escassez de água, é possível proibir por completo o uso, que não seja estritamente essencial (para beber, saneamento ou cozinhar) de recursos hídricos. Eta medida visa nivelar o consumo de água de forma igual por toda a população. Pra acelerar a transição energética, precisamos de ideias inovadoras. Imaginemos por exemplo, um imposto progressivo sobre a riqueza com um suplemento para a poluição. Isto iria agilizar a eliminação dos combustíveis fósseis, porque tornava mais dispendioso o acesso ao capital por parte das indústrias de exploração de combustíveis fósseis, porque tornava ainda mais dispendioso o acesso ao capital por parte das indústrias de exploração de combustíveis fósseis. Oferece ainda a possibilidade de gerar vastos rendimentos para os governos, que poderiam ser investidos no setor da ecologia e da inovação. Estes impostos seriam mais equitativos, uma vez que recaem numa fração da população e não na maioria. Um imposto modelo sobre a riqueza aplicado aos multimilionários com um suplemento para a poluição podia gerar ao nível mundial, 1,7% do rendimento global. Este rendimento podia financiar o grosso dos investimentos adicionais necessários, todos os anos, ao cumprimento dos esforços de mitigação das alterações climáticas. Seja qual for o caminho seguido pelas sociedades, para acelerar a transição , está na hora de reconhecer que a descarbonização profunda não é possível sem uma redistribuição ainda mais profunda do rendimento e da riqueza.

domingo, 15 de janeiro de 2023

A INFLAÇÃO E A SUBIDA DOS JUROS

  Temos vindo a falar de uma crise: há desafios económicos que enfrentamos Tais desafios não se refletem na explosão do desemprego ou num descontrolo das contas públicas, mas em saltos brutais dos preços, acompanhados de um aperto monetário agressivo. Mesmo sem recessão, 2023 pode ser um ano de sofrimento para as famílias portuguesas: os juros já atingiram em cheio as prestações da casa, mas ainda não serão capazes de tirar-lhe dos ombros o peso da inflação que crescerá a um ritmo mais baixo, mas ainda muito elevado. A economia em 2023 será apertada por uma tenaz: inflação muito elevada, que pressionará os orçamentos das famílias, e, as margens de muitas empresas, juros com saltos inéditos que aumentarão as prestações do crédito e desincentivarão as empresas a investir. O consumo não contribui para o crescimento da economia em 2023, e, as exportações de serviços darão um contributo seis vezes menos do que em 2022. Haverá perdas de poder de compra. A partir da 2ªmetade de 2023, a atividade acelera, refletindo a expetativa de atenuação das tensões nos mercados energéticos, a recuperação gradual do rendimento real das famílias, a melhoria da procura externa e a normalização das cadeias de abastecimento globais. Portugal não estará sozinho nas dificuldades a enfrentar no ano de 2023. O pessimismo é transversal a todo o mundo desenvolvido. O FMI estima um crescimento de 2,7% da economia mundial com a zona euro, a ficar-se pelos 0,5%. Menos afetado pela crise energética, Portugal terminou 2022 com o segundo maior crescimento da zona euro. Para 2023, mesmo a estimativa mais pessimista (0,7% da Comissão Europeia) fica muito acima da média prevista pela mesma instituição para a zona euro(o,3%). A incerteza é no entanto, enorme e, estes valores não estão assim tão longe de uma estagnação ou contração do PIB. Na conjuntura atual, em que o PIB tem tido oscilações muito significativas, devido à rigidez das políticas sanitárias, devemos pensar numa recessão apenas, se o desemprego começar a aumentar de forma rápida. Para que isto aconteça, serão necessários alguns desenvolvimentos mais negativos do que o que prevemos, principalmente na guerra a leste e no mercado da energia. O Banco de Portugal fez uma espécie de stresse à economia mundial. Este cenário adverso traduz-se num corte total no fornecimento de gás e de petróleo russos à Europa e uma maior lentidão na substituição de fontes de energia. Implicaria racionamento e cortes de produção na Europa, o que afetaria outras cadeias de produção e abastecimento. O reflexo em Portugal, chegaria sob a forma da procura externa por bens nacionais e de uma penalização do turismo. O preço do petróleo aumentaria, assim como o gás que neste cenário dispararia. A conta de supermercado voltaria a aumentar muito e os juros subiriam mais do que se prevê atualmente. O mundo atravessa aquele que é provavelmente o mais abrangente apoio monetário de sempre, As subidas devem continuar em 2023, mas há muitas dúvidas se esse caminho está ser seguido com determinação suficiente, ou se, pelo contrário há excesso de zelo dos bancos contrário para compensar a tolerância com que agiram pré- 2022. Os bancos centrais esperam conseguir executar um número de equilibrismo: controlar os preços se atirar a economia para o charco. Chamam-lhe " aterragem suave" Neste ano, os efeitos das suas ações ficarão mais evidentes, à medida que os juros apertarem as famílias com créditos, provocarem falências de empresas e o agravamento do desemprego. Para os governos, é também um ambiente difícil de geris. Têm de apoiar a população num momento de maior fragilidade, mas serão censurados se forem demasiado longe, devido às preocupações com o equilíbrio das contas públicas, ou por estarem a contribuir para manter a inflação elevada ao estimularem a procura. O combate à inflação é o momento de encruzilhada deste ano e num contexto de mercado de trabalho, a prioridade deve estar na redução da dívida. A palavra que irá marcar o mercado de trabalho em 2023, irá ser a palavra "incerteza". É cada vez mais consensual que os salários irão crescer a um ritmo inferior à inflação. Esta é quase uma certeza, dúvida é qual será o montante real de poder de compra. Este depende de dois fatores: da evolução da inflação e da capacidade negocial dos trabalhadores e dos seus representantes em pressionarem as empresas para aumentos salariais mais elevados. Porém estes fatores não são independentes: um é causa e efeito do outro.. As taxas de juro vão continuar a subir, até que o atual ciclo inflacionista mostre uma inversão "robusta". É preciso subir os níveis de confiança e aproveitar as almofadas orçamentais para reagir às adversidades da atual conjuntura. A inflação é mais negativa para a economia do que a normalização das taxas de juro. Se não houver novos choques na economia, sobretudo nos preços internacionais da energia, a inflação mensal pode descer para 3% em 2023. Centeno diz que não há nenhum cenário base, de nenhuma instituição europeia que preveja recessão, nem para Portugal ou área do euro. Há uma desaceleração do crescimento. Sobre Portugal, Centeno aponta fragilidades como a grande proporção de crédito à taxa variável, e vantagens como a enorme redução do endividamento das famílias, das empresas e do Estado. Com uma situação de pleno emprego, este é o momento de todos os setores reduzirem a sus dívida e, com o risco bancário controlado, o endividamento em queda e a poupança das famílias a crescer é de não hesitar em usar as almofadas financeiras, se o contexto económico o exigir.